domingo, 13 de março de 2011

Aquele Estranho... Parte I

Chego a casa depois de mais um dia estafante de trabalho. Só me quero descalçar, meter debaixo do chuveiro e esperar que a água me lave a alma e atenue o cansaço. Os meus pés latejam por estarem fechados há horas demais dentro das botas. O frio já se sente. As primeiras chuvas caíram.  Não tarda, chega o Inverno.
Trouxe o correio misturado com a publicidade e despejei tudo na mesa da entrada. É sempre assim nestes dias em que não consigo articular nem mais um pensamento. Depois de orientar tudo, aí sim, sento-me no sofá da sala e vejo o que há. Facturas e mais facturas para pagar, publicidades de hipermercados é em triplicado, mas hoje não era só.  Havia mais uma carta. Não tem remetente, mas a minha morada vem escrita à mão. Estranho – pensei. As pessoas que me escrevem como antigamente identificam-se todas. De quem será?
Abri-a a medo com o abre cartas para não estragar e reparei que não era só uma carta, havia um cartão também.

Lisboa, 20 de Outubro de 2010

Antes de tudo começo esta carta com um pedido de desculpas. Pelos silêncios. Devia ter ganho coragem para te ligar mais cedo, mas vou ser honesto, não consegui ligar para ti. Por medo, só por isso. Posso também dizer que foi por timidez. Olhava para ti, cumprimentava-te, mas não consegui mais do que isso. Algo me dizia que não era ainda a altura mais correcta. Peço desculpa outra vez.
Espero que estas palavras não cheguem tarde demais. Nem sei se sabes quem te está a escrever, mas daqui a umas letras já vais ficar a saber quem eu sou.
Parei de ler a carta e fiquei a pensar. Isto não é normal. Recebo uma carta de um homem, escrita à mão, com uma letra que não é muito imperceptível, depois de um dia como o de hoje? Isto é um milagre vindo sei lá de onde, mas antes de me precipitar com pensamentos, vou mas é acabar de ler…

Nunca escrevi uma carta a mulher nenhuma. Nem mesmo à minha ex-mulher. Nunca fui muito disso e na altura não foi preciso, os telemóveis já eram normais nas nossas vidas. Mas nas informações que pedi sobre ti,  disseram-me que eras muito dada às palavras por esta forma, resolvi arriscar. Que tal me estou a sair?
Espero que a forma que arranjei de me aproximar de ti não te faça amachucar este papel (que eu perfumei – é verdade) para que soubesses que a minha intenção é a melhor. Prometo compensar-te da melhor forma que sei por estes meses em que a minha vida mudou e eu sei que tu sabes isso. Gostava de aproveitar (e foi esse o motivo da minha carta) para te convidar para me acompanhares num jantar que vou ter em Évora. Era muito importante para mim ter a tua companhia.
Junto envio o convite. Aguardo confirmação. Podes telefonar-me, não é preciso responderes-me por carta, porque fiz de propósito em ocultar o nome do remetente.
Despeço-me com um beijo. Espero receber noticias tuas em breve.

Alexandre.

Fiquei verde. Agora é que o verniz estalou todo. Isto não pode ser normal. A frase: “perguntei umas informações sobre ti” ecoavam-se repetidamente na minha cabeça. Não conseguia aceitar, entender ou o que quer que seja. Isto não podia estar a acontecer comigo, ou melhor, estava mesmo a acontecer. E era tão bom que eu nem sabia se havia de rir ou de chorar. Só me lembrei de uma pessoa que me ajudou ao longo do processo do Alexandre, o Artur.
 - Estou, Artur?!
 - Sim Catarina, diz…
 - Não vais acreditar no que te vou contar. Recebi uma carta sem remetente, mas o conteúdo é chocante. Consegues adivinhar de quem é?...
 - Uma carta? Não faço a menor ideia. Mas o conteúdo é bom ou mau?
 - Não é bom nem é mau. É simplesmente inacreditável de maravilhoso. – Sorri
 - Epá, diz-me lá. Já estou a ficar curioso. Quem é que te pode ter escrito uma carta com um conteúdo maravilhoso? Conta-me. Conta-me.
 - Olha ainda nem estou em mim. Já li a carta umas três vezes para ver se consigo encontrar alguma frase nova que se encaixe na minha cabeça e me faça entender. O Alexandre escreveu-me a pedir desculpa pelos silêncios e a convidar-me para um evento em Évora. Isto não faz sentido. Uma pessoa que ignorou todas as minhas mensagens, sorrisos, Bons dias, desejos de bom fim-de-semana, aparece assim, vindo de parte nenhuma dizer que não era a altura certa e que agora está aqui e quer que o acompanhe num evento. Isto não me soa bem…
 - Claro que soa. Tu é que tens sempre essa mania de querer explicar tudo, entender cada detalhe. Não tem nada a ver. Os homens não são lógicos nem seguem articulações ridiculamente estudadas como vocês, que encadeiam os planos milimetricamente alinhados, só posso fazer isto depois de ele superar o desafio A e B. Nós não somos assim. Nós agimos quando sentimos que é aquilo e nada mais, tão simples como isto. Sem grandes testamentos justificativos…
 - Espectáculo Artur. Agora é que me ajudaste mesmo… - gargalhei…
 - É verdade. Digo-te já sem rodeios, se ele teve a audácia de fazer perguntas sobre ti (não sei a quem…) é porque está interessado e já reparaste que ele fez uma boa surpresa? Isso significa simplesmente que és importante e ponto final. Ele quis chegar-te ao coração de um modo desinteressado. Porque já conhece uma parte de ti. E quis que acreditasses pelo seu gesto que é honesto…
 - Quem não tem coragem de lhe ligar agora sou eu. Mais uma vez deixou a “batata quente” na minha mão. Só me apetece calar-me para todo o sempre e agir da mesma forma que ele.
 - Pois, se calhar merece sofrer um pouco, porque a par de toda a sua timidez não custava nada ter respondido uma única vez, nem que fosse para retribuir um desejo de bom dia. Parece básico para nós, mas não estamos dentro da pessoa para saber o que sentiu efectivamente. No entanto para ele dar este passo é porque és importante. É porque ele se importa de alguma maneira, e nem sequer sabemos como ele andou durante todos estes meses, o que sentia (mesmo não dizendo nada). Sabes que quem mais cala por vezes é quem mais sofre…
- É verdade Artur. Não faço ideia do que aconteceu na vida dele durante todo este tempo e por isso não o posso julgar sem mais nem menos. Acho que vou ligar para tentar conversar um pouco e depois logo vejo o que faço. Obrigado pelas tuas palavras. Depois dou notícias. Beijo, até amanhã.

Tentei ao máximo continuar a minha vida naquele dia, como se nada de anormal se tivesse passado. Peguei no dossier e comecei a estudar Recrutamento & Selecção. O dia do exame estava a aproximar-se a passos largos e eu tinha de me dedicar. Mas a carta estava a sorrir-me. Peguei nela vezes sem conta. Cheirei-a e sentia aquele aroma que lhe era tão característico. Mas não queria telefonar-lhe. Pelo menos não naquela noite.
Continuei de volta dos estudos até que o cansaço me venceu. Adormeci no sofá. Quando acordei já a noite ia longa. Eram 3 da manhã quando agarrei em mim e fui para a cama. De manhã a resposta que eu procurava iria chegar.

Na manhã seguinte a chegar ao trabalho dou de caras com o Alexandre. Cumprimentei-o como era costume e senti do outro lado uma pequena ansiedade. Como se esperasse mais do que o normal “Bom Dia” de circunstância que estávamos habituados a trocar. Pestanejei, ele não desviou o olhar e seguiu-me com a cabeça. Percebi isso quando ao fechar a porta fiquei de frente para ele. Não senti que era o momento de lhe dizer o que quer que fosse. E tinha a certeza de que o momento iria chegar. E eu ia sentir quando fosse hora de agir.
Subo ao primeiro andar e oiço o meu telemóvel apitar o toque das mensagens.

“Pela tua forma de me olhares acho que não me desculpaste!” Engoli em seco. Pousei o telefone e ignorei. Ou pelo menos tentei que aquelas palavras não afectassem o funcionamento do meu dia. Tentei que os pensamentos não me desconcentrassem, tinha muito que fazer. Prazos imprescindíveis a cumprir. Quem sabe durante o dia não se fazia uma luz e eu ganharia coragem para resolver aquele assunto. O que é certo é que aquela voz mexia comigo, revoltava o meu mundo como eu costumava dizer. Mas eu não queria de forma nenhuma deixar-me levar sem ponderar bem. Afinal de contas eu já lhe tinha dado a oportunidade e ele não a quis agarrar.
...

3 comentários:

  1. Também preciso de receber uma carta dessas. Dessas ou de outras. Silêncios...silêncios...silêncios...infelizmente nas nossas vidas, e mais vezes do que gostaríamos, existem esses ditos silêncios. E quando finalmente, quebram essa ausência de palavras, poderá, ou não, ser tarde demais. As pessoas não são todas iguais, por vezes, esperamos uma situação e acontece outra menos boa, e quando já tirámos a ideia disso, lá acontece algo. E agora? E agora, o que é que vamos fazer? Voltamos ao silêncio!

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  2. já estou á espera da continuação...

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  3. Chegando á primeira I ...ora tá aqui, pois claro e eu comecei lá bem por cima...é q dá para ver que está-se perante mais uma fan da "arte" de fotografar ...
    EOS ... A Canon já me podia dar era uma comissão por cada dica de compra ... adiante.
    Peço desculpa mesmo por n ter dado com a primeira parte...fiquei na sensação de que haveria amor no ar, n ficção.
    Desculpa...escrita cativante de boa leitura, espalhei-me foi com as fotos (paixão) ... quem já te seguia é fácil n perder o fio á meada...amanhã no trabalho já sei como ler, de baixo para cima.
    Boa semana Beijo n´oteudoceolhar *

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