segunda-feira, 6 de junho de 2011

Aquele Estranho... Parte VI

A Isabel, designer de profissão e com um especial talento para artes, dotada de uma criatividade incrível, era uma amiga muito especial. Uma pessoa muito sensível e humilde. Para mim a humildade era característica fundamental no ser humano. Do que nos serve sermos muito bons se não somos humildes? Se não temos capacidade de estender a mão a quem precisa de nós?
Percebi na voz da Isabel que ela também queria desabafar. A sua relação com o Manel já teve os seus tormentos, daí sermos muito cúmplices nestas matérias do amor. Ela já tinha feito das tripas coração por aquele amor. Aguentou muito e perdoou, não sei se para sempre, ou pelo tempo que durar. Porque viver a dois é difícil, mas eu acredito que quem saiba perdoar, tem muito mais hipóteses de ser feliz. Porque o rancor não ajuda a sermos maiores. Porque o ceder é das coisas mais importantes, como o calar e não dar importância a pequenos pormenores, que no fundo não passam disso mesmo, de pequenas coisas que só chateiam.
Quando estava completamente envolvida no livro que estava a ler, tocou o meu telefone. Outra vez?! – Pensei eu. O nome dele apareceu no visor do telefone e eu fiquei atrapalhada, como uma adolescente.
 - Olá Alexandre…
 - Olá Catarina, como estás? Correu bem o teu dia?
 - Sim correu. Hoje dediquei-me a mim. Já fui dar a caminhada do costume. Sinto-me muito melhor.
 - E tu? Resolveste tudo com os teus clientes?
 - Sim, terminei agora. Estou a conduzir para casa e lembrei-me de ti. Hoje pensei muito na nossa noite de ontem. Correu bem, não achaste?
 - Correu muito bem. Até tenho medo de dizer isso. Eu também me lembrei de ti. – Disse-lhe eu cheia de medo do que ele ia dizer a seguir.
 - Medo? Então porquê?
 - Porque sim, sabes. - E num impulso disse-lhe – Queres vir aqui ter comigo?
 - Quero. Mas eu ainda não jantei. Preciso de comer alguma coisa.
 - Eu tenho um resto do meu jantar. Já jantei, mas faço-te companhia, se quiseres.
 - Vou aceitar. Gostava mesmo de te ver hoje. Tive um dia em cheio. Podes explicar-me como chego até aí?
 - Sim, vou-te dar a morada. Calculo que tu ou o teu carro tenha GPS (risos). No entanto, qualquer coisa ligas e eu explico-te. Sabes que eu sou muito desenrascada. O GPS a mim faz-me um pouco de confusão. Mas isso sou eu…
 - Beijo grande. Até já…
E assim foi. Enquanto o diabo esfregou um olho, estava ele a tocar à campainha. Num instante meti um prato na mesa e lhe aqueci uma sopa e o resto de carne assada que tinha jantado com salada.
 - Então seja bem-vindo ao meu humilde lar… - disse-lhe eu…
Esticou-se e deu-me um beijo na cara. Depois enrolou os dois braços à volta das minhas costas e abraçou-me. Fiquei a tremer. Correspondi-lhe mas ao mesmo tempo não estava a perceber o porquê daquele gesto de afecto. Como se fosse preciso explicar. Foi um impulso.
Olhámo-nos depois daquele tempo em que os nossos corpos se colaram num abraço perfeito. Todo o tempo parou em meu redor. Só havia aquele olhar diante de mim. Aquele sorriso lindo. Aquela expressão mágica. Estiquei-me para ele e beijei-o na face também. – Obrigado por teres vindo. Alegraste ainda mais o meu dia. – Retribuí.
 - Ah então tu sempre escondes aí qualquer coisa boa. Estou a ver que tens alguma dificuldade em mostrares o teu lado mais sensível. Mas não te preocupes porque eu vou tentar sempre com que ele ande à vista. Pelo menos comigo…
 - Anda jantar. O teu mal é fome. Já estás a falar muito. Senta aí. Eu faço-te companhia e depois acompanho-te na sobremesa. – Sorri.
 - Hummm e eu posso saber o que é? A sobremesa? Eu pensava que tu eras a minha sobremesa. Afinal há mais qualquer coisa para além de ti… Olha que me habituas mal. – Parecia um miúdo a sorrir. Como se tivesse recebido o presente pelo qual esperava há muito tempo, por bom comportamento.
 - A sobremesa é um doce que eu fiz, com bolacha e café. Simples mas delicioso. Mas não sei se to dou. Chegas aqui, queres jantar e ainda sobremesa? Pensas que isto é a pensão? – Acho que ele acreditou que eu estava a falar a sério. Ficou com a sobrancelha meio arrebitada e olhou-me de um modo diferente.
 - Se calhar o melhor é levantar-me e ir embora. Não te parece? Achas que isso são modos de me tratares?
 - Eu estava a brincar. Achas que te negava o que quer que fosse?
 - (sorri) Fico contente por conseguir assustar-te. Como vês não és só tu que sabe fingir um ar sério. Eu também - quando quero - sei ser muito mau. Aliás, tu conheces bem o meu ar que impõe respeitinho. Durante todos estes anos não conheceste tu outra coisa, ou vais desmentir-me?
 - Sem dúvida. Ainda hoje se ouvir os teus gritos me encolho toda. Mas comigo tu nunca gritaste, aliás, tu comigo até colocavas o teu melhor sorriso, ficavas meio tímido quando passavas por mim, e quando eu ia falar contigo por qualquer motivo, tu ficavas com receio, que eu bem senti. Por isso acho que sei lidar bem contigo. E não tenho medo nenhum dos teus gritos. Acho que é uma forma de te impores e por um lado acho bem. Quando se trabalha com muita gente, e pessoas de todos os tipos como é o teu caso, é preciso incutir-lhes disciplina. Caso contrário as pessoas abusam. Vejo isso pelo meu exemplo profissional. Há muitos dias em que se instala uma confusão que só visto. Se tivéssemos assim alguém rígido a coisa acabava por acalmar. E as pessoas não esticavam tanto a corda.
 - No meu entender as pessoas não sabem separar as coisas. Interpretam tudo como uma questão pessoal. Se eu um dia lhes dou mais confiança, eles passado uma hora ou duas acham que eu sou um amigalhaço que podem levar para beber uns copos e comer uns amendoins. Entendes? Por vezes é necessário não nos darmos, mesmo que até gostemos das pessoas, mas não se pode ultrapassar a barreira da confiança. Porque mais tarde vamos arrepender-nos.
...

1 comentário: